quinta-feira, 11 de junho de 2009

Conto, Novela e Romance

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Conto


O conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho). Entre suas principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total – da qual falava Poe (1809-1849) e Tchekhov (1860-1904): o conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita excitação e emotividade. Ao escritor de contos dá-se o nome de contista.
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Influência
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Está evidente a identificação do conto com a "falta" de tempo dos habitantes dos grandes centros urbanos, com a industrialização. Afinal, foi graças à imprensa escrita, que o gênero se popularizou no Brasil, no século XIX: os grandes jornais sempre davam espaço ao conto. Antônio Hohlfeldt em "Conto brasileiro contemporâneo" diz que “pode-se verificar que, na evolução do conto, há uma relação entre a revolução tecnológica e a técnica do conto”.
Na introdução de Maravilhas do conto universal, Edgard Cavalheiro diz: “A autonomia do conto, seu êxito social, o experimentalismo exercido sobre ele, deram ao gênero grande realce na literatura, destaque esse favorecido pela facilidade de circulação em diferentes órgãos da imprensa periódica. Creio que o sucesso do conto nos últimos tempos (anos 60 e 70) deve ser atribuído, em parte, à expansão da imprensa”.
Além de criar o mercado de consumo e a necessidade de alfabetização em massa, a industrialização também criou a necessidade de informações sintéticas. No século passado essas informações vinham do jornalismo e do livro; neste século vêm do cinema, rádio e televisão. Assim, no seu início, o conto pegou uma carona na imprensa escrita; agora não tem mais esse espaço. Será que o conto se adaptará às novas tecnologias? TV, Internet etc?
De qualquer forma, no Brasil, o conto surgiu mesmo foi através da imprensa em meados do século XIX. Por isso, naquela época, quase todos os contistas eram jornalistas. E não foi só no Brasil que isso ocorreu.
Essa tecnologia é, também, em parte, "culpada" pelo preconceito em relação ao gênero. “A linha normativa gera uma série de manuais que prescrevem como escrever contos. E a revista popular propicia uma comercialização gradativa do gênero. Tais fatos são tidos como responsáveis pela degradação técnica e pela formação de estereótipos de contos que, na era industrializada do capitalismo americano, passa a ser arte padronizada, impessoal, uniformizada, de produção veloz e barata. Tais preocupações provocam, por sua vez, um movimento de diferenciação entre o conto comercial e o conto literário. Daí talvez tenha surgido o preconceito contra o conto...” (Nádia Battella Gotlib, op. cit.).
Esse fenômeno também foi notado no Brasil no início dos anos 70. As influências exercidas pela imprensa escrita, revistas, TVs, levaram o conto a um ponto de praticamente perder sua “identidade”: sendo “quase tudo”, passou a ser quase “nada”.
Na década de 20 temos os modernistas e o conto agora é essencialmente urbano/suburbano. Eles propuseram a renovação das formas, a ruptura com a linguagem tradicional, a renovação dos meios de expressão etc. Procura-se evitar rebuscamentos na linguagem, a narrativa é mais objetiva, a frase torna-se mais curta e a comunicação mais breve.
Nesta mesma linha, Poe, que também foi o primeiro teórico do gênero, diz: “Temos necessidade de uma literatura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao invés de extensa, verbosa, pormenorizada... É um sinal dos tempos... A indicação de uma época na qual o homem é forçado a escolher o curto, o condensado, o resumido, em lugar do volumoso” (citado por Edgard Cavalheiro na introdução de Maravilhas do conto universal).
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Conteúdo e forma
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Forma: expressão ou linguagem mais os elementos concretos e estruturados, como as palavras e as frases.
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Conteúdo: é imaterial (fixado e carregado pela forma); são as personagens, suas ações, a história (ver Céu, inferno, Alfredo Bosi).
Há contos de Machado de Assis, de Katherine Mansfield, de José J. Veiga, de Tchecov, de Clarice Lispector, por exemplo, que não são "contáveis", não há "nada" acontecendo. O essencial está no "ar", na atmosfera, na forma de narrar, no "estilo". No livro "Que é a literatura?" de Jean-Paul Sartre diz que “ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas, mas por haver decidido dizê-las de determinado modo. E o "estilo", decerto, é o que determina o valor da prosa”.
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Necessidades básicas
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O conto necessita de tensão, ritmo, o imprevisto dentro dos parâmetros previstos, unidade, compactação, concisão, conflito, início, meio e fim; o passado e o futuro têm significado menor. O "flashback" pode acontecer, mas só se absolutamente necessário, mesmo assim da forma mais curta possível.
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Final enigmático
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O final enigmático prevaleceu até Maupassant (fim do século XIX) e era muito importante, pois trazia o desenlace surpreendente (o fechamento com “chave de ouro”, como se dizia). Hoje em dia tem pouca importância; alguns críticos e escritores acham-no perfeitamente dispensável, sinônimo de anacronismo. Mesmo assim não há como negar que o final no conto é sempre mais carregado de tensão do que no romance ou na novela e que um bom final é fundamental no gênero. “Eu diria que o que opera no conto desde o começo é a noção de fim. Tudo chama, tudo convoca a um final” (Antonio Skármeta, Assim se escreve um conto).
Neste gênero, como afirmou Tchecov, é melhor não dizer o suficiente do que dizer demais. Para não dizer demais é melhor, então, "sugerir" como se tivesse de haver um certo "silêncio" entremeando o texto, sustentando a intriga, mantendo a tensão. Não é o que acontece no conto “A missa do galo”, de Machado de Assis? Especialmente nos diálogos; não exatamente pelo que estes dizem, mas pelo que deixam de dizer.
Ricardo Piglia, comentando alguns contos de Hemingway (1898-1961), diz que o mais importante nunca se conta: “O conto se constrói para fazer aparecer artificialmente algo que estava oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta” (O laboratório do escritor). Piglia diz que conta uma história como se tivesse contando outra. Como se o escritor estivesse narrando uma história "visível", disfarçando, escondendo uma história secreta. “Narrar é como jogar pôquer: todo segredo consiste em fingir que se mente quando se está dizendo a verdade.” (Prisão perpétua). É como se o contista pegasse na mão do leitor é desse a entender que o levaria para um lugar, mas Rebeca , no fim, leva-o para outro. Talvez por isso, D.H. Lawrence tenha dito que o leitor deve confiar no conto, não no contista. O contista é o terrorista que se finge de diplomata, como diz Alfredo Bosi sobre Machado de Assis (op. cit.).
Segundo Cristina Perí-Rossi, o escritor contemporâneo de contos não narra somente pelo prazer de encadear fatos de uma maneira mais ou menos casual, senão para revelar o que há por trás deles (citada por Mempo Giardinelli, op. cit). Desse ponto de vista a surpresa se produz quando, no fim, a história secreta vem à superfície. No conto a trama é linear, objetiva, pois o conto, ao começar, já está quase no fim e é preciso que o leitor “veja” claramente os acontecimentos. Se no romance o espaço/tempo é móvel, no conto a linearidade é a sua forma narrativa por excelência. “A intriga completa consiste na passagem de um equilíbrio a outro. A narrativa ideal, a meu ver, começa por uma situação estável que será perturbada por alguma força, resultando num desequilíbrio. Aí entra em ação outra força, inversa, restabelecendo o equilíbrio; sendo este equilíbrio parecido com o primeiro, mas nunca idêntico.” (Gom Jabbar em Hardcore, baseado em Tzvetan Todorov).
Em outras palavras: no geral o conto “se apresenta” com "uma ordem". O conflito traz uma "desordem" e a solução desse conflito (favorável ou não) faz retornar à "ordem" – agora com ganhos e perdas, portanto essa ordem difere da primeira. “O conto é um problema e uma solução”, diz Enrique Aderson Imbert.
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Diálogos
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Os diálogos são de suma importância; sem eles não há discórdia, conflito, fundamentais ao gênero. A melhor forma de se informar é através dos diálogos; mesmo no conto em que o ingrediente narrativo seja importante. “A função do diálogo é expor.” (Henry James, 1843-1916). Em alguns escritores o diálogo é uma ferramenta absolutamente indispensável. Caio Porfírio Carneiro, por exemplo, chega ao ponto de escrever contos compostos apenas por diálogos, sem que, em nenhum instante, apareça um narrador. Em 172 páginas de Trapiá, um clássico da década de 60, há apenas seis páginas sem diálogos. Vejamos os tipos de diálogos:
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- Direto: (discurso direto) as personagens conversam entre si; usam-se os travessões. Além de ser o mais conhecido é, também, predominante no conto.
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- Indireto: (discurso indireto) quando o escritor resume a fala da personagem em forma narrativa, sem destacá-la. Vamos dizer que a personagem conta como aconteceu o diálogo, quase que reproduzindo-o. Essas duas primeiras formas podem ser observadas no conto "A Missa do Galo", Machado de Assis.
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- Indireto livre (discurso indireto livre) é a fusão entre autor e personagem (primeira e terceira pessoa da narrativa); o narrador narra, mas no meio da narrativa surgem diálogos indiretos da personagem como que complementando o que disse o narrador. Veja-se o caso de "Vidas secas": em certas passagens não sabemos exatamente quem fala – é o narrador (terceira pessoa) ou a consciência de Fabiano (primeira pessoa)? Este tipo de discurso permite expor os pensamentos da personagem sem que o narrador perca seu poder de mediador.
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- Monólogo interior (ou fluxo de consciência) é o que se passa “dentro” do mundo psíquico da personagem; “falando” consigo mesma; veja algumas passagens de Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector. O livro A canção dos loureiros (1887), de Édouard Dujardin é o precursor moderno deste tipo de discurso da personagem. O Lazarillo de Tormes, de autor desconhecido, é considerado o verdadeiro precursor deste tipo de discurso. Em Ulisses, Joyce (inspirado em Dujardin) radicalizou no monólogo interior.
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Focos narrativos
Primeira pessoa: Personagem principal conta sua história; este narrador limita-se ao saber de si próprio, fala de sua própria vivência. Esta é uma narrativa típica do romance epistolar (século XVIII). Segunda pessoa: Personagem secundária conta a história da personagem principal. Terceira pessoa: Escritor (analítico ou onisciente), conta a história; o narrador tudo sabe sobre a vida das personagens, sobre seus destinos, idéias, pensamentos. Como se narrasse de dentro da cabeça delas. Narrativa típica do romance Clássico (século XIX). Narrador observador: Escritor conta a história como observador; o narrador limita-se a descrever o que está acontecendo, “falando” do exterior, não nos colocando dentro da cabeça da personagem; assim não sabemos suas emoções, idéias, pensamentos. O narrador apenas descreve o que vê, no mais, especula. Narrativa típica do século XX, influenciada pelo cinema.
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Novela


Os estudos de gênero da literatura em língua portuguesa classificam uma narrativa, grosso modo, em romance, novela ou conto. É comum dividirmos romance, novela e conto pelo número de páginas. Em média, a novela tem entre 50 e 100 páginas, ou seja 20 mil a 40 mil palavras. Entretanto, o romance tem diferenças estruturais importantes em relação à novela e ao conto, estes sim gêneros sem diferenciação em determinados países. Os equivalentes de novela em inglês e francês são novella e nouvelle, respectivamente, enquanto romance se diz novel em inglês e roman em francês.
Para Carlos Reis (2003), enquanto no conto a acção manifesta-se como uma acção singular e concentrada, no romance há um paralelo de várias acções e, na novela, uma concatenação de acções individualizadas.
Eikhenbaum, formalista russo, define a diferença entre um e outro em artigo de 1925. Para ele "o romance é sincrético, provém da história, do relato de viagem, enquanto novela é fundamental, provém do conto (Poe) e da anedota (Mark Twain). A novela baseia-se num conflito e tudo mais tende para a conclusão."
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Primórdios
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As origens da novela enquanto género literário remontam aos primórdios do Renascimento, designadamente a Giovanni Boccaccio (1313-1375) e a sua grande obra, o Decameron, ou Decamerão, que rompe com a tradição literária medieval, nomeadamente pelo seu cariz realista. Trata-se de uma compilação de cem novelas contadas por dez pessoas, refugiadas numa casa de campo para escaparem aos horrores da Peste Negra, a qual é objecto de uma vívida descrição no preâmbulo da obra.
Ao longo de dez dias (de onde decameron, do grego deca, dez), as sete moças e os três jovens, para ocuparem as longas horas de ócio do seu auto-imposto isolamento, combinam que todos os dias cada um conta uma história, geralmente subordinada a um tema designado por um deles. Refira-se ainda outra obra, escrita em francês, com o mesmo tipo de estruturação: o Heptameron, da autoria de Margarida de Navarra (1492-1549), rainha consorte de Henrique II de Navarra.
Aqui, são dez viajantes que se abrigam de uma violenta tempestade numa abadia. Impossibilitados de comunicarem com o exterior, todos os dias cada um conta uma história, real ou inventada. Em jeito de epílogo, cada uma é concluída com comentários dos participantes, em ameno diálogo. Era intenção da autora que, à semelhança do Decameron, a obra compreendesse cem histórias, porém a morte impediu-a de realizar o seu intento, não indo além da segunda história do oitavo dia, num total de 72 relatos . Será também a morte prematura que poderá explicar uma certa pobreza de estilo, contrabalançada porém por uma grande perspicácia psicológica ronaldo.
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Instituição como estilo literário
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Mas será apenas nos séculos XVIII e XIX que os escritores fundam a novela enquanto estilo literário, regido por normas e preceitos. Os alemães foram então os mais prolíficos criadores de novelas (em alemão: "Novelle"; plural: "Novellen"). Para estes, a novela é uma narrativa de dimensões indeterminadas – desde algumas páginas até às centenas – que se desenrola em torno de um único evento ou situação, conduzindo a um inesperado momento de transição (Wendepunkt) que tem como corolário um desfecho simultaneamente lógico e surpreendente.
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Romance


O Romance é o gênero mais conhecido da literatura. Herdeiro da epopéia, é tipicamente um gênero do modo narrativo, assim como a novela e o conto.
A diferença entre romance e novela não é clara, mas costuma-se definir que no romance há um paralelo de várias ações, enquanto na novela há uma concatenação de ações individualizadas. No romance uma personagem pode surgir em meio a história e desaparecer depois de cumprir sua função. Outra distinção importante é que no romance o final é um enfraquecimento de uma combinação e ligação de elementos heterogêneos, não o clímax.
Há de notar que o romance tornou-se gênero preferencial a partir do Romantismo, por isso ficando o termo romance associado a estes. Entretanto o realismo teria no romance sua base fundamental, pois apenas este permitia a minúcia descritiva, que exporia os problemas sociais.
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Surgimento
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Considera-se que o romance nasceu no início do século XVII, sendo o precursor deste gênero o Dom Quixote de La Mancha. Na tentativa de parodiar a novela de cavalaria, Miguel de Cervantes não só escreveu um dos grandes clássicos da literatura, como ajudou a firmar as pernas daquele que viria substituir a epopéia, gênero que agonizava e desapareceria no século XVIII, com o advento da era industrial. O romance é, portanto, a epopéia burguesa moderna, segundo Hegel.
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Medernidade
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O romance chega à modernidade com Balzac e à plenitude com Proust, Joyce, Faulkner. A partir destes últimos a ordem cronológica é desfeita: passado, presente e futuro são fundidos.
A partir de meados deste século intensifica-se a discussão em torno de uma provável crise do romance, sua possível morte. Essa morte teria ocorrido por volta dos anos 50: Na França Alain Robbe-Grillet, Claude Simon, Robert Pinget, Nathalie Sarraute, Marguerite Duras, Michel Butor, entre outros, rejeitam o conceito de romance cuja função é contar uma história e delinear personagens conforme as convenções realistas do século XIX; transgridem também outros valores do romance tradicional: tempo, espaço, ação, repúdio à noção de verossimilhança etc. Sartre diz que ao destruírem o romance, esses escritores, na verdade, estão renovando-o, principalmente com a influência do cinema. É o noveau roman sacudindo as bases tradicionais da literatura.
Em 1936 os Estados Unidos viviam a época clássica do cinema falado. Antes de ser influenciado pelo cinema, o romance influenciou-o; ao ponto de, nas décadas de 30 e 40, a indústria cinematográfica ter privilegiado os filmes narrativos e grandes romancistas terem sido contratados pelos estúdios para escreverem roteiros. Mesmo assim em 1936 Scott Fitzgerald escrevia: "vi que o romance, que na minha maturidade era o meio mais forte e flexível de transmitir pensamento e emoção de um ser humano para outro, estava ficando subordinado a uma arte mecânica... só tinha condições de refletir os pensamentos mais batidos, as emoções mais óbvias. Era uma arte em que as palavras eram subordinadas às imagens..." Fitzgerald foi o primeiro escritor a perceber que o romance estava sendo suplantado pelo cinema, mas continuou acreditando que, como arte, o romance sempre seria superior. Antes disso, na década de 20, com a publicação do Ulisses, passou-se a afirmar que o livro de Joyce era o ápice do romance, que depois dele o romancista deveria ater-se ao mínimo, outros diziam que Ulisses era a paródia final do romance, como quem assina embaixo da frase de Kierkegaard: Toda fase histórica termina com a paródia de si mesma.
No Brasil os anos 50 foram férteis: 1956, por exemplo, é considerado um dos grandes marcos literários do país; foram publicados naquele ano O encontro marcado, de Fernando Sabino; Doramundo, de Geraldo Ferraz; Vila dos Confins, de Mário Palmério e Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Ainda desta década é Gabriela, Cravo e Canela (58), de Jorge Amado. A trilogia O tempo e o vento, de Érico Veríssimo, teve seu primeiro volume, O continente, publicado em 49 e O retrato em 51.
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