quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Riso e Melancolia


Resenha do Livro:
ROUANET, Sérgio Paulo. Riso e Melancolia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
por Gustavo Schiavinatto


O interesse pelo estudo da forma shandiana parte da intenção de direcionar meus esforços em pesquisa acadêmica à obra de Machado de Assis, em um processo que vise adquirir esse conhecimento de uma forma mais aberta, clara e ampla, em que toda e qualquer crítica já feita a respeito de toda produção literária do Bruxo do Cosme Velho seja levada em conta como um ponto chegada, impactando suas obras com o intendimento de seus seguidores, e como ponto de partida ao visionar as lacunas de estudo que a multi-facetação da literatura nos mostra ao longo desse processo.
            Sergio Paulo Rouanet, doutor em ciência política pela USP e membro da ABL, publicou seus estudos sobre a forma shandiana, Riso e melancolia, em 2007 pela Companhia das Letras. Ele expõe essa “linhagem intelectual” apresentando, contextualizando e interligando as seguintes obras: A vida e as opiniões de Tristam Shandy, cavalheiro, de Laurence Sterne, publicado em 1759; Jacques o fatalista, de Denis Diderot, 1771; Viagem em torno do meu quarto, de Xavier de Maistre, 1795; Viagens na minha terra, de Almeida Garrett, 1843; e  Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, 1881.
            Laurence Sterne (1713-68) é o primeiro responsável, pela combinação de fatores descrita a seguir, por desafiar e prender a atenção do público com um personagem narrador comandante de tempo e enredo, Tristam Shandy, que opina excentricamente sobre tudo e todos, se utiliza de digressões refinadamente cômicas, mostra a análise psicológica como principal forma de descrição do personagem e através de uma estética e estilo únicos transpõe a “filosofia humanista” de forma tão aparente quando seus fundamentos literários.

O livro (A vida e as opiniões de Tristam Shandy, cavalheiro) é uma vitrine da cultura de todos os séculos, Cícero e Quintiliano a Montaigne, Cervantes, Montesquieu e Voltaire, abrangendo todas as áreas do saber, da teologia à obstetrícia e à ciência das fortificações. É o reino do capricho, que assume às vezes um aspecto benevolente e às vezes um aspecto cruel. p. 35.
           
            As seguintes obras devem esta influência estilística  uma à outra, ou outras, anteriores de maneira indiscutível e de fácil assimilação pelo fato de a estética ser o elemento que realmente vai de encontro aos paradigmas da época, impressionando e chocando a critica e o público. A característica do narrador que pode tudo, opina sobre tudo e entra em tudo –  generalizo aqui uma parte pelo estilo todo para sintetizar o assunto deixando de lado importantes diferenciações entre as cinco obras e atender ao objetivo de completar duas páginas de texto – é o tronco principal desse estilo que tem o humor e a melancolia como galhos que se entrelaçam ao redor dele e a ironia como copa exuberante.
            Seguem alguns exemplos, a partir do próximo parágrafo, em que o narrador conversa com o leitor, deixando a impressão que estão num mesmo nível, de igual para igual, ambos participando das casualidades da narração, porém o narrador shandiano assume uma posição soberana sobre o leitor, segundo Rouanet de forma perfeita no caso de Memórias póstumas, fazendo um jogo de escolhas e descaminhos em que o leitor participa sempre passivamente, sendo frequentemente questionado, desafiado, insultado e em preciosas vezes até ameaçado fisicamente.

Aposto cinquenta contra um que você é um grande asno e um cabeçudo. (STERNE, 1759, p. 54).

Estou farto; é preciso, sem dúvida, que eu às vezes siga o teu capricho; mas é preciso também que às vezes sigas o meu. (DITEROT, 1771, p. 528).

Alguma coisa no livro desagrada ao leitor? Quem não gostar de um capítulo que o rasgue ou jogue no fogo. (MAISTRE, 1795, p. 48).

Entraremos, portanto, em novo capítulo, leitor amigo; e agora não tenhas medo das minhas digressões. (GARRETT, 1843, p. 217).

            Entendo que todas as características que descrevem essa singular espécie de narrador sejam atribuídas ao próprio personagem, por exemplo Brás Cubas, e não ao autor, Machado de Assis. Observação essa motivada pelas constantes críticas equivocadas, assim como eu equivoquei-me a poucos parágrafos atrás afirmando a parte como o todo, não reconhecem a dominante singularidade de uma obra, Memórias póstumas no caso, principalmente pela sua característica estética adotada. Sendo assim então Machado responsável pela escolha estética da obra, assim como alguém escolhe qual corte de cabelo será feito em sua própria cabeça, é claro, dentro das limitações de cada um, e, encerramos aqui essa discussão com uma citação que certamente já havia, de tão esperto leitor que és, inferido sua presença aqui.

A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus. Memórias póstuma de Brás Cubas. p. 11.





Espero que tenham achado interessante,

Abraços e até a próxima resenha!

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